Questões da Faculdade de Pedagogia (sobre vocacional):
1. Caberia
a volta do vocacional hoje?
2. Você
conhecia essa experiência em educação pública de qualidade e em período
integral?
3. Em
sua opinião, as práticas e técnicas do vocacional ainda podem ser aplicadas
hoje em dia?
4. Você
teria alguma sugestão voltada para a educação do futuro?
5. No
seu entender como deveria ser a educação para os jovens deste século?
6. Leia
com atenção:
A
educação praticada ainda hoje nas escolas está baseada em processos que
remontam aos séculos XIX (equipamentos como quadro negro, giz, lousa, apagador,
copias, ditados e etc) e instrutores e técnicos com formação efetuada no século
XX para jovens do século XIX. Responda: Como será possível superar esses
paradigmas?
Respostas:
1. O
formato de ensino configurado pelo vocacional ainda se configura em nosso
ensino moderno sob diversos aspectos. Sem dúvida que foi um processo de
renovação na época em que foi desenvolvido (1962/1969), período em que o ensino
até então não era em nada democrático, mas após diversos reveses e diversas
contribuições de educadores diversos, as diretrizes educacionais elaboradas nos
últimos anos tem tentado acompanhar os princípios basilares do vocacional e
muito de seu formato. A educação que visa a formação da autonomia e do
desenvolvimento crítico dos sujeitos, numa pedagogia que desloca o foco do
professor para o aluno, do ensino para o aprendizado, incentivando a mediação,
o trabalho coletivo e desenvolvimento de projetos é a realidade que temos hoje,
de modo literal em escolas particulares e circunstancial em escolas públicas de
todo o país. Como professora do estado de SP e do município de São Paulo,
percebo a similaridade nestes traços comuns que remontam e remetem à educação
dos ginásios vocacionais.
2. Sim.
A primeira vez que ouvi falar a respeito do vocacional foi em 2003, durante
minha permanência no Projeto Redigir, na ECA/USP em que tínhamos aulas de
redação e cidadania, por assim dizer, em formato bem similar a este, diga-se de
passagem. Este projeto era voltado para alunos de ensino médio. O resultado
final deste curso que se desenrolou por meio de um projeto resultou num livro
chamado “Democracia para todos”, sendo que ao longo de todo o período éramos estimulados
a pensar e agir de crítica e autonomamente, porém, engajados em união com os
demais, pois o grupo tinha objetivos em comum para alcançar.
Quando iniciei meus
estudos da graduação voltei a ouvir a respeito e me lembro de ter tido um
colega na sala que tinha um parente (não me lembro qual parente) que foi aluno
do vocacional e ele sempre falava a respeito. Essa troca para mim foi muito
rica, pois certamente graças a ela é que ao estudar a história de nossa
educação jamais deixei de ponderar a respeito da contribuição que o grupo das
classes experimentais vocacionais deixaram em nossa educação.
3. Como já mencionei, percebo que diversas
técnicas e práticas do vocacional não só podem como são utilizadas hoje, e para
nós atualmente soa como normal, natural ou apropriado, bem diferente de como
soava antes: algo muito revolucionário, esquerdizante e nefasto, ao menos
àqueles que brigaram pelo fim destas práticas pedagógicas. Nosso ensino está
estruturado em eixos temáticos, há os temas transversais perpassando todo o
currículo, temos aulas extra classe, com atividades em campo, em museus e
parques, por exemplo. Temos todo um esforço para o desenvolvimento e implantação
de projetos nas escolas, projetos multidisciplinares e interdisciplinares, e
inclusive com a gradativa permanência dos alunos na escola, visando a educação
integral. Na rede municipal, as notas até o ano passado eram dadas em
conceitos: P (plenamente satisfatório), S (satisfatório) e NS (Não satisfatório).
A partir deste ano os conceitos permanecem aplicados para os 3 primeiros anos
do Ensino Fundamental, sendo que para os demais foi adotada a escala numérica
de notação de 1 a 10 (zero é inviável). O método de conceituação remete ao
estilo vocacional. Há também momentos de auto avaliação, que são sempre
estimulados. Essas práticas seriam impensáveis antes de 1962, e podemos pensar
que é a partir daí que começaram a ser exploradas.
É certo também que se
em métodos podemos nos aproximar dos vocacionais, em muito da essência e da
ideologia podemos nos afastar. O ensino permanece oscilando entre propedêutico
e técnico, e alguns valores basilares não são trabalhados com a mesma ênfase,
ou em alguns casos, não são vislumbrados de maneira alguma, como a busca para a
emancipação pessoal, o sentir-se bem em tornar-se uma pessoa livre em pensar e
agir, ser dono de seu próprio nariz, apto a fazer aquilo que julgar melhor a si
e ao mundo. A primazia por essa atitude emancipadora (que também nos remete a
Paulo Freire entre outros educadores progressistas, por exemplo) não é mais
mister em nossa educação, apesar de por vezes, ainda servir de pano de fundo
para campanhas políticas de alguns oportunistas...
4. Sugiro
que a educação do futuro redescubra a importância de se trabalhar os valores,
estas pérolas basilares da educação, capazes de promover uma educação integral,
íntegra e integradora dos sujeitos. Assim poderá formar pessoas de bom caráter
e fraternas, mais aptas a conviver em sociedade, pois cada vez mais nossa
sociedade requer o desenvolvimento de competências promotoras de paz, de união,
de pessoas que consigam trabalhar bem em equipes, que consigam se relacionar
bem com seus pares. Estas coisas infelizmente, permanecem relegadas em nossas
escolas atualmente.
5. Os
jovens deste séculos precisam desenvolver mais habilidades sociais, e mesmo
interpessoais, pois estão visando cada vez mais as habilidades técnicas e
tecnológicas. Os jovens cada vez mais querem transformar-se em máquinas e é
comum desejarem ser como elas ou mesmo superá-las. As relações humanas estão
cada vez mais frias e superficiais, e como resultado disso, as desconfianças
aumentam, há maior foco nos resultados e menos no processo. Estes jovens moldam
a educação do mesmo modo que são moldados por ela, que não raro desponta como
reflexo disso tudo: cada vez mais competitiva, propedêutica, tecnológica,
superficial. É preciso que ressurja com força a característica integradora da
educação, como outrora existiu, mas se hoje o contexto é outro é preciso que
haja também outros moldes para que essa característica desponte. Os educadores
devem considerar o que é preciso, refletir sobre isso, sobre o que falta na
educação atual. A partir daí devem traçar parâmetros, e claro, evidentemente em
conjunto, para a elaboração de metas e de estratégias para que estes parâmetros
sejam atingidos. Não há como se obter uma educação integradora quando já toda
uma classe de educadores se desponta fragmentada e em desarmonia, cada um
falando uma língua própria, por assim dizer, fazendo de seu ensino individual
um mastro e se tornado cada um uma ilha. A educação do futuro precisa ser
integrada e penso que integração, portanto, seja uma palavra chave. Trabalhar
em rede, o que já vem sendo feito em alguns níveis sutis, também é chave, e
vale para hoje e para amanhã.
6. Esse
discurso de que os recursos pouco mudaram e que isso tem atrasado nossa
educação não é de todo verdade. Muitas profissões deram grandes saltos sem
grandes mudanças em seus recursos. Muitos métodos científicos, por exemplo,
permanecem sendo os mesmos e válidos há séculos, mas a ciência em si, tem dado
pulos a galope. Podemos utilizar esta linha de pensamento e adequá-la para
realidades diversas, relacionadas a diversas profissões e contextos. O entrave
da educação não está no giz e na lousa, tão pouco nas cópias, hoje em dia ainda
largamente utilizadas, mas sobretudo, no processo.
Podemos pensar que grandes educadores, grandes
filósofos, grandes cientistas, matemáticos etc deram grandes aulas e utilizaram
cópias, giz, apagador, e que ainda assim deram também grandes contribuições com
seus talentos. O que eles tem em comum conosco? Alguns diriam que apenas os
recursos materiais...E pode ser verdade. O dote, o talento, o viço, o
comprometimento com o ensino é muito mais comprometedor dos resultados que os
recursos materiais. O que ocorre é que enquanto algumas áreas tiveram
incentivos diversos para evoluírem dentro de seu âmbito, a educação não
confabulou disso. E o que é pior: além de não progredir a educação tem sofrido
duros revezes e um desprestígio gigantesco tem se abatido por ela, de um modo
geral, recaindo sobre seus educadores e influindo até mesmo em seus ideais. A
sociedade não olha mais com os mesmos olhos para a educação, e apesar de também
achar que não deveria olhar com os mesmos olhos (porque a conjuntura agora é
outra), deveria manter o apreço e a estima que sempre a mantiveram forte.
Hoje em dia os profissionais da educação não são valorizados pela classe
política, pelo cidadão comum, pai e mãe de aluno que frequenta a escola, e
obviamente, menos ainda por este que lá está, que já adentra os muros dela
levando toda a influência que traz de fora e a refletindo lá dentro, tornando
professores cada vez mais desmotivados para dar aula. Isso sem dúvida, conspira
contra a educação.
Grandes educadores tem uma
característica em comum: trabalham motivados. Os educadores do vocacional (e outros
tantos) sempre mantiveram seus ideias e queriam colocá-los em prática e conseguiam,
na medida do possível, tinham incentivo, vontade, e se nutriam porque os
educandos também tinham o desejo de aprender, tinham em si despertado a
curiosidade, vontade e a disposição, que como dizia Freire é vital para a
educação, é vital para aprender. O que distingue um cientista, ou um médico de
um professor, é que os pacientes torcem para que seu médico saiba cada vez
mais, torce para que ele estude mais, se desenvolva mais, saiba mais, por saber
que eles mesmos (os pacientes) serão beneficiado. Prestigiam o médico por
interesse. Mas e quanto ao professor? O que espera atualmente, a mãe de um
aluno desse profissional? Se um professor ficar um mês de licença para ir a um
congresso e for substituído por outro profissional, ainda que tenha a mesma
qualificação, quanto não serão desprestigiados pela mãe do aluno e pelo aluno o
professor substituto quanto o que se ausentar? Mas e se um médico for a um
congresso e marcarmos a consulta após sua volta, ficaremos satisfeitos e
podemos até nos gabar de estarmos com um médico “de nível, que preste,
competente”. O que não evoluiu na educação foi a mentalidade da sociedade que
acabou regredindo e é esse o maior fator para o atraso educacional, pois uma
vez que toda uma sociedade e poder público não se interessam em voltar esforços
para a melhoria e avanço de uma área, ela só pode seguir aos trancos e
barrancos, e sobreviver a duras penas pela lei maior da sobrevivência.
Só
superaremos esse paradigma cada um de dentro pra fora e todos em uníssono,
fazendo coro por uma educação de qualidade que possa ser motivo de orgulho de
todos. Afinal, a educação valorizada beneficia a todos, até aos que não se dão
conta disso.
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